sexta-feira, 31 de agosto de 2007

"Eu devo ter chego ao paraíso que construí olhando pela varanda..."

Um balão de unicórino, preso em uma janela bem lá no alto, enquanto tropas de homens muito velhos, quase que se desfazendo no ar, passavam, batendo as botas empoeiradas de terra que antes os enterrava.

A esquina começava a se tornar rua reta, enquanto as ruas retas começavam a subir em direção a uma mulher de branco que cantava alguma coisa sobre balanço de parquinhos sem crianças...

Estava muito quente, se via pela cor dos aços que despontavam das construções quase totalmente destruídas, mas calor não se sentia.

Um gato se enrosca em minhas pernas, como que querendo atenção. Quando vou com minhas mãos em sua direção, ele começa a voar, com asas que apareceram logo atrás dos bigodes.

Sentada em um banquinho branco de praça de cidade pequena, uma moça muito bonita, com os cabelos longos e negros cor-de-passado, mascando chiclete, ouve música em um fone de ouvido, e dança só com os pés. Ela está com os olhos fechados, livre desta imaginação toda que está acontecendo aqui fora.

Acendo um cigarro - lembro-me de todas aquelas pessoas que são que nem cigarro; duram no máximo cinco minutos, e o que sobra nunca dá pra guardar - e começo a observar as luzes que o céu possuia de cima daquele prédio de mentira. Azul, violeta, transparente, Anil. O céu nunca muda muito...

Eu devo ter chego ao paraíso que construí olhando pela varanda...

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Estrela, Amor e contos que não são mais da carochinha

Anne sonhou com três estrelas.

De manhã, ela quis colocá-las todas no céu, mas só tinha espaço para duas.

Anne fez um colar com a terceira estrela.

Foi em um dia de março que Anne começou a namorar com Luís, e uma vez, na casa dele, Luís estava preparando uma sopa de solidão. Anne tirou a estrela do peito, mergulhou na sopa, e fizeram então, uma sopa de estrela.

É essa a coisa boa de se ter alguém;

Mas lembre-se de sempre escolher uma pessoa que tenha, pelo menos, uma estrela, guardada no peito, nos olhos ou em uma caixinha de veludo preto.


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"- Mãe, quero ir pra lua...

- Fazer o que?

- Falar com Deus!

- Deus não está na lua, meu filho.

- Então me dá um brigadeiro?"

Diálogo real, dentro de um ônibus, indo para o centro de São Paulo, às sete horas da manhã.

domingo, 26 de agosto de 2007

Carta de um quase suicida para uma pessoa que ele gosta muito - "SEM NENHUM VALOR LITERÁRIO"

Atenção!!!


A partir de agora, o meu objetivo, único e exclusivo, é fazer com que você entenda aquilo lá. Mas pra isso,



Atenção!!!


Atenção que eu fechei a persiana, e agora pouco você vê da realidade, pelo menos daquela realidade que costuma acontecer todo dia. Atenção que assim mesmo eu posso acabar por fechar sua palpebra, e aí só vai restar a realidade que você não conhece ainda.

Todos os desenhos da calçada, daqui até onde eu moro, começaram a dançar! Começaram para que assim fizessem parte da vida que agente num vê, que agente pisa em cima, que agente ignora, e que mesmo assim nunca deixa de ser vida.

Sabe que em um dos desenhos eu vi justamente a casa na praia que eu queria ter?

Atenção, merda!

Você não está deixando as coisas acontecerem, você não está.

Toda nuvem tapa o sol, todo sol cega todo olho, e a realidade é quase que ofuscada. Quase que. Ou não, porque se eu não percebo, se não chega a mim, se eu não vejo com essa droga de olho, não pode ser realidade, não é?

Não. As coisas existem além de você, sobre você e poucas, pouquíssimas, por você.

E ainda assim, quase toda praia tem quase toda areia branca. Quase!

É, porque pouca coisa na vida é completa, então pare de imaginar! Pare! Você ainda está prestando atenção? É simples, poxa vida!

Eu to dizendo que é pra você parar de ensaiar, de representar, de ser ator dessa porcaria de vida que você tem! Pare com isso, você não é um artista, não o dia inteiro!

Essa zona toda, esse colapso diário, esse onibus que não chega, essa moça de pernas bonitas, puta que pariu, isso tudo é vida, e que parte disso você não entende?

Alguma coisa lhe falta, me falta, para que não vivamos! Sempre, sempre, sempre, sempre, representamos, e não me venha dizer que não! Quanto das suas cenas diárias você realmente sente, realmente vive? O café que toma, sente o sabor todo dia? Mais forte que ontem, mais fraco, doce ou simplesmente e graciosamente igual? E aquela curva que o motorista que sempre corre do onibus fez, não dá frio na barriga? Você lembra que roupa sua mãe estava usando antes de sair de casa, e quais as expressões do rosto dela lhe faz sentir aquela criança pequena que fora há alguns anos?

Atenção!

Atenção porque tudo passa, e num dá pra agente virar ator pra sempre, não pode ser! Tá, parece teatro, mas é vida! Porcaria!

Ta vendo que hoje ta ventando? Mais ainda que ontem! E isso é bom, é gostoso, faz a cortina voar até o meu rosto e parece até carinho!

To ficando louco? A vá!

Descontrução!

Cáustico.

Vá até o supermercado e vê como parece que agente sempre escolhe tudo na vida, porque é só passar com o carrinho, esticar a mão e pronto! Tudo na vida é assim!

É.

To mais calmo agora. Ainda bem. Porque tudo isso tava na minha garganta, e eu tava ficando preocupado que as pessoas não percebessem!

Mas é sério, pensa no que eu to lhe falando, pensa nisso.

Não pode ser assim; chove por causa da nuvem, e é assim desde que eu nasci. Carne. Osso. Coração e sentimento que não pode ser negligenciado. Por falar em corpo, quanto dele você realmente conhece?

Atenção...

Já que não existe uma árvore com seu nome, ponha nome em suas paredes! Elas estão com você sempre, e nunca ganharam nem um "bom dia".

Tente sentir de verdade. É muito bom, e aí agente chega até a ser humano de verdade.

Realidade.

Um Humano que ganhou um presentão, podendo sentir.

Aquela música do rádio!!!!

AAAAhhh, eu adoro ela!

Eu termino de falar com você um outro dia, mas lembre-se de tudo isso, por favor, lembre-se que quero apenas seu bem, e queria que você viesse me visitar aqui na casa nova também.

Beijo.

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"Ninguém terá experimentado a causa verdadeira de tais acontecimentos, mas todos terão visto uma imagem deles."

Baudrillard

"(...)No final das contas, a única coisa que torna uma pessoa interessante é a sua capacidade de dedicar-se."

Francis Bacon

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

"O poeta e a poesia"

Luís é poeta. Luís é poesia.

Luís ama muito Ana flor, uma menina linda, e que também é poesia. Ele tem tido muitos sonhos com Ana flor, muitos, e em todos eles, eles ficam juntos, e na maioria, eles seriam felizes.

Luís nunca falou com Ana flor.

Com tantos sonhos, Luís escreve. Passa através de palavras, para o papel, toda aquela realidade de seda, que é jóia para Luís, jóia rara.

As suas poesias são lindas; É mar tranqüilo em dia de primavera, é céu quase todo aberto, e as nuvens que ficaram tomaram uma cor roxo-eternidade maravilhosa. É música que toca enquanto andamos pela cidade quieta, ainda cheirando a manhãzinha.

Luís convive com as palavras. Por isso, Luís é um bom poeta.

Acontece que assim não é com as pessoas; Ele não sabe ter amigos. Luís não convive com pessoas, embora sinta prazer em vê-las. Escreve poesias, sente a vida passar, ama muito; Mas como conhecer Ana flor? Luís queria muito que com suas palavras pudesse construir uma pessoa igualzinha a Ana flor. Já tentou, mas ele não consegue.

Todo poeta sabe que a poesia é eterna. Alguns acham que a vida é. Luís achava, e se enganou.

A vida passou muito para Ana flor, e ela teve que se mudar, para poder se cuidar. Luís só soube tempo depois que ela havia ido embora, e com ela, toda a sua chance de conhece-la.

É Luís, se a vida fosse uma de tuas poesias, poderias escrever um outro final, onde teriam uma casa na praia, e que a janela do quarto todo dia chateasse batento ao vento de tardezinha. A arte, que é tentativa de vida, ainda não alcançou a perfeição, e é por isso que são tão diferentes, enquanto completamente iguais.

O Amor é poeta, mas nem sempre, amar é poesia.

As vezes, é preciso ser mais vida, ser mais rude, ser mais real, para que a felicidade de se amar toque em tua campanhia.

Mas ainda assim, Luís fez sua escolha.

Luís é poeta. Luís é poesia.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

"Deus é um astronauta..."

Deus. Deus é um astronauta, e agora é mais fácil de entender tudo mais.

Estando Ele assim, imerso em um vazio tão grande, em uma imensidão completamente desconhecida, só, vendo os planos de outro dia funcionarem sem necessariamente precisar Dele, é mais fácil de entender, então.

Ser grande, ser poderoso, ser eterno, ser o que ninguém mais pode ser, enfim, uma prisão. Todos nós tivemos escolhas, e ainda as temos, mas Deus, quem mais ele poderia ser? Que outra profissão poderia exercer? Que outros sonhos poderia ter?

Se todos nós, tirando os temporariamente depressivos, precisamos de amigos, se todos nós, inclusive os internados e os sãos, precisamos trocar de rotina vez ou outra, pra nos sentirmos vivos, para poder tocar na barra da vida e sentir que é leve, suave, e sobretudo, que existe! Se somos o reflexo do que Ele é, então, assim, é mais fácil de entender.

Deus é um astronauta.

O que ele faz para se sentir vivo? Para tocar o tecido da vida, que dança, de vagar, para todo mundo? O que ele faz para se sentir dentro do "todo mundo"?

Deus é um astronauta.

Sem som.
Mudo.
Talvez até triste, vez ou outra.

Deus é um astronauta.

Maravilhado com a velocidade das coisas,
dos mundos,
dos sonhos.
Maravilhado, mas mesmo assim, ainda longe, bem longe.

Deus é um astronauta,

e agora, acho que começo a enteder a vida.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

"Obrigado..."

A meia-escuridão e a música
Tocam sinos, promovem a lembrança
Faz-se um ser-estar meio que inteiro
Ouve-se qualquer criança no mundo inteiro.

Sente que ser vivo pouco requer
Sente que ser pouco qualquer porco
E se vá. Ondas, que se vão, nenhuma é em vão
São sempre testes de uma onda maior pra vir.

Sente que não há um cais de verdade
Nenhuma chegada chega sem partida
E se é no vai e vem que assim caracteriza
Não há para que ter um ponto de olhos marejados.

Caminhos que o mundo nunca abriu
E abrirá, assim como Moisés
Que foi, e então o mar se abriu
Nenhuma estrada é boba
A se abrir se ninguém quer passar
Queira, vá, que abriram-se e passarás

Sente que essa meia escuridão faz-nos viajar
Não é preciso dinheiro, nem carro, planos não são precisos
A mastigável mistura de luz faz sua parte em nos guiar
E guia, essa parte é sempre a melhor da vida
Ser pequeno e só, ser inteiro, ser filho e ter amor
Nunca se achará nenhum jardim, de Deus, dos homens ou das flores
Melhor do que ter a tardezinha sempre, sempre, só para você.

- Tome o café menino, tome que já esfria.

Tomo sim. Sinto o gosto de ser assim.
Obrigado a minha mãe, aos que antes dela vieram, e aos que foram construíndo tudo isso.
Obrigado por ter tido a pequena chance de ser um pequeno elemento nesse circo sentimental.
Onde palhaços adestram o amor, onde elefantes guiam os mágico, e onde há sempre um velho simpático
Quase sempre sozinho a assistir esse gostoso espetáculo
Que ele mesmo, por autonomia, decidiu chamar vida.

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"Uma semente engravida a tarde.
Era o dia nascendo, em vez da noite.
Perdia o amor, seu hálito covarde,
e a vida, corcel rubro, dava coice,

mas tão delicioso, que a ferida
no peito trantornado, aceso em festa,
acordava, gravura enlouquecida,
sobre o tempo sem caule, uma promessa.

A manhã sempre-sempre, e o dociastuto
eus caçadores a correr, e as presas
num feliz entregar-se, entre soluços.

E que mais, vida eterna, me planejas?
O que se desatou num só momento
não cabe no infinito, e é a fuga do vento"

Instante - Carlos Drummond de Andrade

Obrigado, Drummond, por ter sido gauche na vida.
Obrigado, anjo torto.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Céu

Hoje eu olhei pro céu.
Vi tudo que a eternidade perpetua,
vi tudo que desafia o destino,
vi pouco, vi o céu, e já foi bom.

Hoje vi o céu, e nem é dia especial,
exceto pela morte do poeta que já vem,
pela sorvete de ontem a tarde
e pelo sol que tem surpreendido.
Hoje vi o céu e percebi
que tem tempo que ninguém olha pra ele.

Há de se olhar para uma pessoa, vendo mais do que um humano.
Há de se olhar para uns versos, vendo mais do que se fez impresso.
Há de se olhar para vida, simples, bonita e elegante;
Bem mais do que efemeridades que atravesso.
Há de se olhar para o céu, não perguntando pelo tempo, se chove ou se faz frio,
Há de se olhar para o céu como quem olha para dentro de sí.
Sem medo de ver o vazio, o vazio também é bonito,
Sem medo de sentir o azul, a tranquilidade que há,
Sem medo de ser simples, de ser gente do sítio que sente a tardezinha bater na janela.
Há de se olhar para o céu, acima de tudo, e pelo céu, quando assim for necessário.
Mas há ainda de se olhar para o céu, principalmente, porque é bonito,
e a beleza convém aos olhos, dos condenados e dos que condenam.
Há de se olhar, e assim, fazer a vida valer a pena.


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Já faz tempo. Vinte anos. Mas se teus versos possuem-te, indiretamente, ainda vives.
E se fizer tempo que ninguém olhou para o céu, ou para uma de tuas poesias, não gaste tuas unhas para arranhar a caixa de madeira, talvez seja um tempo que nem valha a pena.
Mas acredite, ainda vives.

(Drummond morreu no dia 17 de agosto, a vinte anos atrás.)

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

"Passeio no centro..."

A cidade ergue em prédios antigos toda uma memória, toda uma história que dá de se materializar. Quem vive nesta casa aqui? Quantas coisas já foram vistas nessa varanda? Será que alguém já morreu nesta rua?

Nunca, não andamos sobre pedras, ou sobre asfalto. Andamos sobre acontecimentos, pensamentos, sobre vontades, sobre músicas, sobre saudades. É que por causa dessa coisa de dia a dia, desse nosso vai e vem, que agente esquece de tanta coisa boa, como essas.

Não há de se pensar que a vida acaba, finita. Jamais! A vida continua, em cada pontinho, em cada momento em que você a deixa ir. Naquela esquina, quando viu aquela menina bonita subindo no onibus, foi-se um pouco de você, aquele pouquinho, que queria mesmo era encontrar um bom lugar para ver alguma menina passar. Aquele livro que você leu, entre aquelas páginas que agora estão fechadas, lá agora tem uma outra parte sua, que decidiu-se por fazer parte de uma história bonita, de suspense e de ação. É por isso que soltamos aquela sorriso tímido, de quando nos sentimos bem por essas ou outras ocasiões; Estamos aos pouco concluíndo o que era a nossa missão.

Assim, pode ir. Vá-se embora, porque já deixou tudo que havia de deixar por aqui, e todas aquelas vontades que antes formavam seu corpo, agora estão realizadas, e vivem, a parte, justamente como queriam viver.

Pode deixar, que estes prédios, essas varandas e todo esse cenário vai ter guardado, para sempre, um pouquinho de você.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

"Tava escrito na parede, antes da reforma..."

O olho fecha; Nem dá pra entender como a palpebra tão fininha, tão fraca, consegue arrastar essa escuridão pesada e brutal.

Pense na vida, não como uma história, ou um filme, mas como um milagre que nunca aconteceu antes; Você nunca aconteceu antes!

Estique as palmas das mãos, e sem encostar, ponha bem próximo dos seus olhos já fechados; Veja como esse espaço é só seu, e como há alguma energia engraçada saindo de suas mãos.

Pense no azul.

Azul será.

Escute o som que as tantas ondas que você já viu gravaram em seu ouvido; Será sempre uma parte do que viveu, terá sempre memórias por onde passava...

Apanhe essa flor lilás, que nasceu bem no meio de todo esse sonho. Essa flor não vai viver por muito tempo, elá só entrou na história para que você se lembre do seu jardim; Cultive-o, pois é para lá que irá quando cansar de por aqui andar.

Não tenha quadros.

Abra as janelas!

Não ouça música.

Converse com o silêncio!

Não vá pensar que a arte não é vida, mas também não se esqueça, que a vida é uma arte!

Tenha sempre uma bala no bolso, porque se a vida entortar em amargo, nada que um doce não melhore!

E de algumas risadas, sozinho mesmo, que é para tornar-se seu amigo íntimo.