quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Direções, leme e o amor.

- Um abraço, então...
- E um brinde ao fim.
- Não, não ao fim, mas aos bons tempos, ao que passamos, à sorte de termos nos encontrado.
- Acho que as mulheres sempre tem mais facilidade com essa coisa de fim. Não sei, pra mim foi tudo ótimo, maravilhoso, o que bota o fim mais dramático ainda.
- Ângelo, olha aqui pra mim, deixa isso pra lá. Tinhamos combinado que faríamos da melhor forma possível, lembra?
- Hunm

Ela passava as mãos no seu rosto, como se desenhasse com os dedos caminhos.

- A vida toma cada caminho.
- As escolhas são sempre nossas, meu querido.
- Ilusão a sua. Assim fala porque justamente por tua escolha, agora, é que faz teu caminho. Mas e o meu? Meu caminho está sendo decidido por uma escolha sim, mas não tem nada de minha nela. Muito a gente escolhe, mas outro tanto a gente apenas engole.

E tomou o último gole do seu Wisky sem gelo. Com os dois dedos levantado, pediu mais ao garçom.

- Mas e tudo que a gente passou, nada vale pra você?
- Vale. Vale sim. Vale como a prova viva da sabedoria do Tonzinho - E cantarolando, com tristeza e filosofia bovina nos olhos, relembrou: "Tristeza, não tem fim, felicidade sim..."

Chorou pelo lado esquerdo. Esse é sempre o lado mais sentimental.

Com o dedão, ela arrastou a lágrima, regando os caminhos que antes havia feito.

- Acho que não. Acho que deve pensar como um presente. Não vou dizer que essa vida é fácil, feliz, se não seria fútil. Mas digo que assim, e apesar disso, ter na nossa história de vida a experiência de saborear o amor como saboreamos... É um presente.

- Pois é. Eu devo ser egoísta. Mesmo quando pequeno, nunca sabia se ficava triste por minha mãe ter doado meus presente do natal passado ou se ficava feliz em ganhar os novos. Já devia ter aprendido a não me apegar.

Ela riu.

- Ângelo, ainda vai ganhar muito presente, e cada um melhor que o outro.
- Mas é sempre do ursinho babado que se sente falta...
- Não te peço que me esqueça, que não sinta minha falta. Peço que viva e deixe viver, e quando der onze horas, suspire pela memória. Mas não perca a vontade do verbo, do acontecer, porque as memórias gastam, acabam, e se não fizer outras, novas, as suas onze horas serão cada vez piores.

Ângelo respirou bem fundo, tomou metade do copo que o garçom trouxera, levou a mão até a parte de traz da cabeça, esticando o corpo.

- Não tenho estrutura pra agüentar esta despedida. Faz o seguinte: Vai, pega tuas coisas, segue tua estrada. Guarda um tempo, e marcamos esta conversa novamente, quando eu me reconstruir, me refizer.

- Tá. Tudo bem. Quer ficar com a orquídea?
- Não, não tenho jeito pra essas coisas. Mas quero uma coisa tua.
- Pede.
- A sua escova de dente. Deixe ela onde ela está, por favor.

Passando a mãe pela orelha de Ângelo, ela encostou a testa dela na dele.

- E quando voltarmos a conversar - Em tom de pedido pueril, continuou - tente parecer menos maravilhosa, menos bonita do que hoje.
- Até lá, - Sorrindo docemente - até lá você já estará olhando com olhos diferentes, e não parecerei mais tão bonita assim pra você.
- Amém. Amém.

Um beijo rápido, como se fecha uma carta testamento.
Ela levanta, pega a bolsa, o casaco e espera pelo abraço. Ele tem medo de encostar o corpo, como se fosse a mulher de um chefe seu em seus braços.

Aquela com quem passou os últimos cinco anos atravessa a porta, navegando agora entre outros mares, procurando outros portos.
E com o copo na mão, entortando-o para que pudesse ver o fundo, com o olhar fixo de quem perdeu o que se tem por dentro, que o lado direito dele, o lado mais duro, mais sério, chorou.

A decisão foi tomada junto do último gole de Malte;
Jamais se entregaria nas mãos de uma mulher novamente. Daqui pra frente, será sempre dono de seu leme.

2 comentários:

Angelo Lira disse...

Acho que merece uma atenção a mais.
Que tal uma continuação?

Admiro muito sua condução.

Um grande abraço Alan Nery!

Lais Santos disse...

Muito mágico...lindo texto, alias..vc não me conhece neh..hehe mais curto mto seu blog..
parabéns...
Abraço, Lais.