terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Mulheres

Sorria um sorriso sussurrado, como quem peca sem ser notado. Duas linhas finas como nuvem de inverno se formavam em seu lado direito do rosto. Com os olhos apertados ela parecia ter descoberto o meu segredo mais íntimo.

Uma sexualidade hipnotizante exalava de sua pele. A sua presença e o seu cheiro confundiam minha cabeça, e a certeza que antes tinha e era viva e colorida, quanto ao perigo que aquela mulher representava, começava a perder suas cores para uma vontade puramente animal, um desejo visceral.

Levei-a para o quarto no hotel pulguento em que tinha me hospedado. Enquanto acendia meu cachimbo ela separava duas carreiras em cima do espelho sujo que havia na parede do quarto.

- Cheira?

Sem falar nada, balancei positivamente a cabeça escondida na cortina de fumaça. Cheirava sim. Tinha tempo que deixara de acreditar na vida, de acreditar em mim, e parecia-me bem sensato aproveitar da carne os prazeres que a carne pode dar. O resto que se foda. Ela enrolou uma nota de cinco reais para fazer o canudo. Cheirou. Colocou o espelho no meu colo, me deu o canudo, passou a mão na minha cabeça e me olhou com aqueles olhos de Capitu decididamente vadia. Sentia dentro de mim que em pouco tempo controle seria uma das coisas que eu não teria, assim como bom senso, talvez. Cheirei.

Quando levantei o rosto, ela estava deitada de costas. Sua camiseta deixava nu o seu dorso, e assim podia-se ver a tatuagem que começava na nuca e continuava por dentro do shorts xadrez que usava. Afogado na fumaça do tabaco e nas tantas memórias que aquela mulher me trazia, permanecia imóvel, como um voyeur, como um babaca.

- Então, decidiu assim, do nada, me procurar?

- Eu estou na sua cola desde que você fugiu com todo o meu dinheiro. Do nada foi que eu te encontrei nessa cidadezinha lazarenta.

Arrependi-me de ter respondido. Não estava lá para conversar. Não foi pra isso que rasguei a europa no meio procurando essa vagabunda. Essa vagabunda gostosa por bosta. Coloquei a mão na cintura e senti o revolver. Aquele metal gelado me ajudava a lembrar o porque estava ali. Foco, concentração.

Ela se virou, lentamente. Bem pouco da luz da lua conseguia ultrapassar a cortina mofada. Afastou um pouco as pernas, de um jeito que lhe dava um ar de moça doce e inocente mas atacada por um espírito perveso e sexual. Por entre suas pernas eu via seu rosto, o sorriso, os olhos. Qualquer homem saberia o que ela estava planejando. Nenhum homem seria capaz de resistir.

- Sente saudades?

Antes que ela terminasse a frase, eu já estava em cima dela, como um felino em sua presa. Com muito da minha força eu a apertava contra meu peito, e com uma mão entrelaçada nos cabelos da parte de trás de sua cabeça, sentia-me dono de seus movimentos, de seu corpo, talvez de sua mente. O homem tem sempre essa triste impressão de ser o dominador, tanto na cama, quanto na sociedade. A ilusão do poder da força...

Nos possuímos durante tanto tempo quanto nossos corpos agüentaram. Devo ter gozado umas 4 ou 5 vezes, ela eu nunca saberei. Exausto, eu nem lembrava mais dos meus propósitos, e o cano gelado que trazia na cinta agora estava jogado no chão, incapaz de me fazer lembrar também. Adormeci.

Um estampido forte me arrancou da cama, do sono. Com os olhos embaçados ainda, olhei em volta, procurando o perigo. Mas nada se movia. Um pequeno gemido me guiou os olhos, e foi no chão que achei a origem do barulho. Aquela sem vergonha havia dado um tiro no peito, e agora manchava de sangue o quarto inteiro. Gemia baixinho, seus olhos se reviravam, sem nenhuma conotação sexual agora. Ela tinha errado o coração.

Com a mão, ela me chamou.

- Já gastei toda aquela porra de dinheiro.

Respirava fazendo barulho, bem fundo.

- Você ia me matar, e ia acabar com essa merda de vida sua.

A vida dela ia se esvaindo com o sangue que sujava o carpete e minhas calças. Quando finalmente sua cabeça pendeu em meus braços e senti que ela não respirava mais, coloquei minha roupa, vesti meu paletó e desci pelas escadas. Avisei o recepcionista com cara de árabe do hotel do ocorrido e peguei um taxi para o aeroporto.

Devia ter pego aquele shorts xadrez como lembrança. Provavelmente havia sido comprado com o meu dinheiro de qualquer jeito.

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