segunda-feira, 21 de abril de 2008

Negocinho de fumar

Pianos de calda
e acidez profunda

Pó de pureza angelical
Samba sem harmonia

Animais deflagrados por Freud
Trens que chegam por chegar

Toma aqui o pileque
E esse negocinho de fumar

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Eu sou.

Bordões de violão velho.
Cigarros e pileques antes do meio-sol.
Questão de ser temido, gostado, testado, usado.
Cuícas de abandono sóbrio.
Humores de fazer tremer chão.
Eu sou uma metade de muito pouco, eu sou um vermelho de Godard, um personagem de Capote, um corpo que atravessa ruas e morre com tragos de fome.

domingo, 30 de março de 2008

primeiro frio do ano
fui feliz
se não me engano

Leminski
Vicio

O cigarro me traga
A separação
E a dor que inalo
Dispersa a fumaça.

Leminski
Perguntei e convivi
E você
Nem se quer existiu.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Malas

Eu vou até a lua

Bala na agulha
e
versos
fast-food

Cigarro na boca

Mala
e
cuia

Quero ver
minha mãe

Eu vou
até a puta
Chorar
alagados

Chegar
à boca
Da favela
mais alta

Vou
a livraria
Comprar versos
e estricnina

É culpa sua
e
de quem
quer que seja

Eu vou até a lua

mas
ainda
é de
dia.

domingo, 23 de março de 2008

Transgressão dos meus 19

Transgressão dos meus 19;
No caminho de pó da lua
O septo baixo, o trago ao chão
Calcanhares alados e carrancudos
Tenho duas mãos e um canudo.

Brevidade encantada
E as tais escolhas
O corpo exige
Os sentidos saqueiam
São acordes órfãos
Meus escravos se rebelaram
E os cavalos estão mortos

Auto-canibalizo o que resta de meu pai
Canabis e absintos para o pó do pó;
Quero estar morto pelo nascer do dia,
Preservada a integridade do sexo,
Se necessário dois cigarros.
De Eclesiastes e Juízes e

Trouxe meu currículo
E a carne criada na impureza da Família
Mas isso não importa.



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"Crismei no sexo das prostituas viciadas."

sábado, 8 de março de 2008

Sexta branca e malte.

A caneta sem carga é para ingerir melhor o mundo branco e malhado. É tudo assim, desde tempos que vá lá se saber. Pisando no compasso daquela música que já lhe fritava o âmago; A martelada que sente no peito vinha da pisada trançada e desconfiada, como que se estivesse mesmo bem maior.
É tudo bem mais rápido, as tantas imagens vão se fazendo e desfazendo e entrando em contato com o corpo inteiro, enquanto a música cresce e passa que tudo é passado, o presente é velocidade disparada que nem futuro alcança.
Lindo sorriso, cabelos tapam o rosto, a bebida tem cheiro assim. Na porta da bodega se deixa o que antes era, pra que naquela merda toda ninguém seja ninguém. Aqui, negão, é pra botar demônio pra fora no pulo, correndo que nem jagunço que comeu mulher errada. Aqui é pra não ver mesmo, que os olhos têm mania de grandeza, e querem sempre serem único sentimento. É pra isso esse pisca-pisca, sente como agora cada pedaço de sua pele ta querendo contato, como a música violenta o peito. Dão-lhe a graça de não mais ver em filme a realidade, mas em rápidas fotos tiradas. Bebe e roda essa cabeça, bebe pra deixar de ser assim sempre tão você mesmo.
Carreiras e carreiras vão pro saco em noites assim. É que tem que ter alguma coisa pra lhe por na linha, para poder seguir, com o nariz mesmo.
A mulher se aproxima com sorriso maldoso. Não é de companhia que quero. Bonita, linda, mas que vá a merda. A coisa toda é que to num carro a dois mil quilometros por hora dentro de mim mesmo. To alcoolizado, completamente, estou drogado e com milhares de sentimentos suando pela pele, dirigindo por todas aquelas trancas cheias de buracos e bueiros e gente que quer é atrapalhar. Quero é poste, quero que se exploda que não há verbo mais pra mim, visto que não sou primeira, quem dirá pessoa. A caneta, de novo, que esse mundo empelota fácil, e depois num entra.
A terra puxa menos, o peso voa, as memórias se afogam. Milhares e milhares de flores nascem, vermelho-sangue como o mar.
Da janela se vê, senhor que lhe bota medo, sucesso em pessoa, mas está muito rápido, fica pra trás. Passa namorada, passam amigos e amigas, passa prova errada, passa a vida, passa fluindo como jugular cortada. Assim que vida vai, esvai, sangrada.
Não, felicidade nada. Na verdade, não há nada, o que vem passa, igual na vida, mas em velocidade exagerada. Tem tanto sentimento, e você sempre pensando nesses mesmos. Sinta, não bote nome que isso é coisa grosseira.
Com o copo, rodeado por pessoas que não lhe notam. Com o corpo pulsando frenético, o coração fazendo-se presente nas extremidades ignoradas. Os sons metálicos. As risadas fogosas e vaporizadas. Suor, éter da novidade.

A noite termina com a violência dos traços do sol. Aquele maldito astro, incumbido de levantar dos mares a realidade brutal do cotidiano enfartado.

Na ponta do cigarro matei meu dia, e acho que foi pra sempre.

Aforismos herméticos do cotidiano barato.

Todo o esforço é revoltante.

Neste daqui, vem vinte cigarros.

"Super prático", na embalagem de papel higiênico. Sentar, evacuar e limpar, mais fácil agora com Super Neve.

Duas dúzias de vermelho na barraca perto da Sé. Seis reais o quilo.

Neste daqui, vem cinco gramas, mas é da boa.

Aquele cara ali, tava rindo de você.

Sai fumaça de tudo que a gente da valor; Dos carros, das fábricas cujos produtos são para o bem-estar, da comidinha quentinha. Sai fumaça das minhas ventas, e nada.

Ta dormindo ô cidadão? Aqui num é lugar de dormir não! Rapá fora dessa praça vagabundo. Vai empilhar papelão vai.

O impostômetro ali pra lembrar da merda toda. Merda que não fede, é a mais perigosa, é coisa de câncer.

E por falar em gostosa, olha só aquele pernilzinho! Fala se num é coisa da esquerda, do tinhoso?

E a democracia isso, e a democracia aquilo, e também os direitos do homem e do cidadão, e essa coisa toda, a gente tem é que defender - O zé, é pra pagar como esses quilos todo de picanha que o cê pediu? - Ah meu querido, põe na conta do gabinete que isso aqui é discussão de ideologia.

Não ter graça é a prova do bom gosto de certas piadas. A vida não tem graça.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Imagem de fim de tarde

E se todos os dias teriam que bater seis horas pra terminar com a tarde, na mesa fria de natureza morta, os olhos dele entretidos com o cigarro e o cinzeiro, os olhos dela timidamente querendo encontrar o fim da mesa (isso se podemos chamar de tímida a velocidade de um raio sem trovão), e o fim de um tudo que se fez de mais que sonhos e planos, um tudo quase tão maior do que se pode imaginar que o som de sua eclosão é de um silêncio insuportável aos ouvidos dos homens que por aqui vivem, e que por aqui ouvi falar que já viveram. E se todos os dias teriam que seguir como que procissão de um funeral repetido, cansado de tanto existir e que mesmo assim exige de testemunhas aquelas duas pessoas desconectadas pela ferrugem do tempo, os finais das tardes que estão por vir seriam exatamente como este que se passa, agora mesmo, na casa onde a janela aberta apenas opõe a luz de um sol pela hora da morte com uma madona bordando flores em uma mortalha cinza, enquadrada por madeiras da mesma cor da mesa do café, e separados, sol e madona, por caprichos do destino e por um vidro muito bem limpo.

O homem típico que se forja nas caldeiras de tempos como estes; O dinheiro, ou a perseguição daquilo que ele disfarça, o motivo de seu corpo não encontrar mais descanso em travesseiro algum, o motivo de sua constante abstinência vital em prol de um futuro que nem Deus mais sabe onde é que começa. O típico homem que por tanto tempo andou olhando apenas para frente e para o alto, sem muito se importar com os tropeços, pois se sentia em via sacra infalível, de onde almas e corpos, ao luxo, seriam prêmios por tão aguçada visão, mas que hoje ao final da tarde descansa as pupilas olhando suas mãos brincarem com o cigarro e o cinzeiro, que estão muito mais perto, e são muito mais reais.

E que sonhos costumam, assim como doença séria, contaminar. E que se fumam aqui, ali os narizes são capazes de também sentir a fumaça, assim também é que se preenche a cama, com dois corpos e um sonho (fumaça) que ganha pai (aqui) e mãe (ali), mesmo que nascendo de um só. Assim que ela, a Mulher, viciou-se também, para que falassem a mesma língua sobre os mesmos temas quando a hora do café chegasse, trazendo o Homem do serviço, o Homem o qual ela escolhera a tantos anos, antes da primeira ruga, e que costumava olhar sempre para frente e para o alto, postura de águia do deserto, convencido como um ateu. E por invernos e invernos alçavam vôos em direção a qualquer lugar, contando que fosse uma conquista grande, de fazer lacrimejar os olhos e palpitar o coração. Vencer é que era importante, seja lá onde ou pra que, seja lá o que vencer poderia significar. E que pondo maritalmente a mão esquerda sobre o ombro esquerdo do seu marido, ela mal queria saber dos rumos, das idéias ou dos meios, importando o fim; A felicidade conjugal, mesmo que mentira.

Milhares de vezes cruzou o céu daquela janela o sol, batendo de frente com o rosto impiedoso da madona seriamente compenetrada em seus afazeres, e pacientemente desbotando um pouco daquela tela, como fez com a vida do Homem e da Mulher. Cometendo um erro ingênuo poderíamos culpar a escassez de vitórias, ou a falta de sonhos mais fáceis, ou o inevitável que quer sempre fazer-se presente. Mas a verdade em forma de fome e dificuldade tem nos mostrado o valor do materialismo e bem vemos quem tem feito mal à matéria, o sol, e que assim tem matado com o tédio da repetição aquilo que também é matéria, embora em estado que ainda nossos físicos não puderam descrever.

Pudesse ele largar o cigarro e o cinzeiro, erguer os olhos aos olhos dela e dizer que aquilo tudo não era o que ele tinha imaginado, que erros infantis haviam sido cometidos e que as coisas andavam mal. Ela, pondo de lado o pão que molhava no café bem preto, diria que o mal com o bem se completa, que se erraram era acertando que fariam diferente, e já que amanhã, de novo e novamente, o sol desceria por aquela janela, poderiam eles apresentar uma outra peça para aquele que embora astro conserva-se espectador dos humildes, e que embora severo sua ausência ainda pode ser depressiva e aterrorizadora.

Mas é no cigarro e no cinzeiro mais uma vez que se encontra o que há de mais parecido com a paz. E que sem trocarem palavras ou olhares ou sorrisos que poderiam então continuar a se convencerem sós, parte de um plano miraculoso onde tudo foi e é ilusão, que nem a mesa nem o que está do outro lado dela poderiam existir, tudo é fruto do que se imagina ser.

E se todos os dias teriam que bater seis horas pra terminar com a tarde porque alguém um dia pensou que isso poderia inspirar um novo começo aos que precisam, ou simplesmente porque assim haveria de ser, e não de qualquer outra forma, todos os dias o sol teria ali a sua bicada de podridão arreganhada e a luz que atravessa aquele quadrado de madeira morna e escura e rachada encontraria nada mais do que silêncio e corpos vazios, olhos que mais nada querem olhar e a triste cena de Homem e Mulher morrendo em passado com apenas uma madona quase sem cor a cozer-lhes suas mortalhas, enquanto andam pela mesa apenas cigarro rumo a cinzeiro, e pão rumo ao café.

Já arrastava, o sol, o Homem para dentro de casa, como assim era feito e então, como se costuma dizer, assim é que deveria ser. Aquele ruído que as portas fazem ao serem incomodadas, se fosse um outro dia qualquer, seria o único daquele fim de tarde e começo de noite, porque palavras já sabemos que ninguém mais usava, desnecessário seria dizer então que os sons do amor também a tempos não vibravam os ares ou os móveis daquela casa.

A janela fechada provocou a primeira manifestação que poderíamos chamar ser a prova de humanidade do Homem, uma frase inteiramente interjetiva e então, digamos, dotada de ao menos um pouco de sentimentalidade: “Mas que merda...” Ao que parecia a mulher o havia deixado, e dentro da caixa de cigarro, que muito espertamente ela sabia ser onde ele iria procurar sua paz silenciosa, um bilhete assim dizia: “Sua fumaça me incomoda”. Ao leitor cabe compreender o que fumaça significa.

Acontece que todos os dias, mesmo a partir dali, iriam sim bater as suas seis horas da tarde, e que isso muito provavelmente não quer dizer nada, mas aquela casa que a essa hora costumava ter a luz agradável do sol se pondo agora tinha as janelas fechadas, e isso podia ser ruim para o Homem e para a Mulher, mas era sim bom para a madona, de quem só sobravam as linhas, feitas de uma matéria mais resistente ao sol. E era bom também à luz do sol, que agora passava o dia inteiro sem ter que tocar a tal da podridão, poupada pela persiana grossa que vestia o vidro que já fora muito bem limpo.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Mulheres

Sorria um sorriso sussurrado, como quem peca sem ser notado. Duas linhas finas como nuvem de inverno se formavam em seu lado direito do rosto. Com os olhos apertados ela parecia ter descoberto o meu segredo mais íntimo.

Uma sexualidade hipnotizante exalava de sua pele. A sua presença e o seu cheiro confundiam minha cabeça, e a certeza que antes tinha e era viva e colorida, quanto ao perigo que aquela mulher representava, começava a perder suas cores para uma vontade puramente animal, um desejo visceral.

Levei-a para o quarto no hotel pulguento em que tinha me hospedado. Enquanto acendia meu cachimbo ela separava duas carreiras em cima do espelho sujo que havia na parede do quarto.

- Cheira?

Sem falar nada, balancei positivamente a cabeça escondida na cortina de fumaça. Cheirava sim. Tinha tempo que deixara de acreditar na vida, de acreditar em mim, e parecia-me bem sensato aproveitar da carne os prazeres que a carne pode dar. O resto que se foda. Ela enrolou uma nota de cinco reais para fazer o canudo. Cheirou. Colocou o espelho no meu colo, me deu o canudo, passou a mão na minha cabeça e me olhou com aqueles olhos de Capitu decididamente vadia. Sentia dentro de mim que em pouco tempo controle seria uma das coisas que eu não teria, assim como bom senso, talvez. Cheirei.

Quando levantei o rosto, ela estava deitada de costas. Sua camiseta deixava nu o seu dorso, e assim podia-se ver a tatuagem que começava na nuca e continuava por dentro do shorts xadrez que usava. Afogado na fumaça do tabaco e nas tantas memórias que aquela mulher me trazia, permanecia imóvel, como um voyeur, como um babaca.

- Então, decidiu assim, do nada, me procurar?

- Eu estou na sua cola desde que você fugiu com todo o meu dinheiro. Do nada foi que eu te encontrei nessa cidadezinha lazarenta.

Arrependi-me de ter respondido. Não estava lá para conversar. Não foi pra isso que rasguei a europa no meio procurando essa vagabunda. Essa vagabunda gostosa por bosta. Coloquei a mão na cintura e senti o revolver. Aquele metal gelado me ajudava a lembrar o porque estava ali. Foco, concentração.

Ela se virou, lentamente. Bem pouco da luz da lua conseguia ultrapassar a cortina mofada. Afastou um pouco as pernas, de um jeito que lhe dava um ar de moça doce e inocente mas atacada por um espírito perveso e sexual. Por entre suas pernas eu via seu rosto, o sorriso, os olhos. Qualquer homem saberia o que ela estava planejando. Nenhum homem seria capaz de resistir.

- Sente saudades?

Antes que ela terminasse a frase, eu já estava em cima dela, como um felino em sua presa. Com muito da minha força eu a apertava contra meu peito, e com uma mão entrelaçada nos cabelos da parte de trás de sua cabeça, sentia-me dono de seus movimentos, de seu corpo, talvez de sua mente. O homem tem sempre essa triste impressão de ser o dominador, tanto na cama, quanto na sociedade. A ilusão do poder da força...

Nos possuímos durante tanto tempo quanto nossos corpos agüentaram. Devo ter gozado umas 4 ou 5 vezes, ela eu nunca saberei. Exausto, eu nem lembrava mais dos meus propósitos, e o cano gelado que trazia na cinta agora estava jogado no chão, incapaz de me fazer lembrar também. Adormeci.

Um estampido forte me arrancou da cama, do sono. Com os olhos embaçados ainda, olhei em volta, procurando o perigo. Mas nada se movia. Um pequeno gemido me guiou os olhos, e foi no chão que achei a origem do barulho. Aquela sem vergonha havia dado um tiro no peito, e agora manchava de sangue o quarto inteiro. Gemia baixinho, seus olhos se reviravam, sem nenhuma conotação sexual agora. Ela tinha errado o coração.

Com a mão, ela me chamou.

- Já gastei toda aquela porra de dinheiro.

Respirava fazendo barulho, bem fundo.

- Você ia me matar, e ia acabar com essa merda de vida sua.

A vida dela ia se esvaindo com o sangue que sujava o carpete e minhas calças. Quando finalmente sua cabeça pendeu em meus braços e senti que ela não respirava mais, coloquei minha roupa, vesti meu paletó e desci pelas escadas. Avisei o recepcionista com cara de árabe do hotel do ocorrido e peguei um taxi para o aeroporto.

Devia ter pego aquele shorts xadrez como lembrança. Provavelmente havia sido comprado com o meu dinheiro de qualquer jeito.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Direções, leme e o amor.

- Um abraço, então...
- E um brinde ao fim.
- Não, não ao fim, mas aos bons tempos, ao que passamos, à sorte de termos nos encontrado.
- Acho que as mulheres sempre tem mais facilidade com essa coisa de fim. Não sei, pra mim foi tudo ótimo, maravilhoso, o que bota o fim mais dramático ainda.
- Ângelo, olha aqui pra mim, deixa isso pra lá. Tinhamos combinado que faríamos da melhor forma possível, lembra?
- Hunm

Ela passava as mãos no seu rosto, como se desenhasse com os dedos caminhos.

- A vida toma cada caminho.
- As escolhas são sempre nossas, meu querido.
- Ilusão a sua. Assim fala porque justamente por tua escolha, agora, é que faz teu caminho. Mas e o meu? Meu caminho está sendo decidido por uma escolha sim, mas não tem nada de minha nela. Muito a gente escolhe, mas outro tanto a gente apenas engole.

E tomou o último gole do seu Wisky sem gelo. Com os dois dedos levantado, pediu mais ao garçom.

- Mas e tudo que a gente passou, nada vale pra você?
- Vale. Vale sim. Vale como a prova viva da sabedoria do Tonzinho - E cantarolando, com tristeza e filosofia bovina nos olhos, relembrou: "Tristeza, não tem fim, felicidade sim..."

Chorou pelo lado esquerdo. Esse é sempre o lado mais sentimental.

Com o dedão, ela arrastou a lágrima, regando os caminhos que antes havia feito.

- Acho que não. Acho que deve pensar como um presente. Não vou dizer que essa vida é fácil, feliz, se não seria fútil. Mas digo que assim, e apesar disso, ter na nossa história de vida a experiência de saborear o amor como saboreamos... É um presente.

- Pois é. Eu devo ser egoísta. Mesmo quando pequeno, nunca sabia se ficava triste por minha mãe ter doado meus presente do natal passado ou se ficava feliz em ganhar os novos. Já devia ter aprendido a não me apegar.

Ela riu.

- Ângelo, ainda vai ganhar muito presente, e cada um melhor que o outro.
- Mas é sempre do ursinho babado que se sente falta...
- Não te peço que me esqueça, que não sinta minha falta. Peço que viva e deixe viver, e quando der onze horas, suspire pela memória. Mas não perca a vontade do verbo, do acontecer, porque as memórias gastam, acabam, e se não fizer outras, novas, as suas onze horas serão cada vez piores.

Ângelo respirou bem fundo, tomou metade do copo que o garçom trouxera, levou a mão até a parte de traz da cabeça, esticando o corpo.

- Não tenho estrutura pra agüentar esta despedida. Faz o seguinte: Vai, pega tuas coisas, segue tua estrada. Guarda um tempo, e marcamos esta conversa novamente, quando eu me reconstruir, me refizer.

- Tá. Tudo bem. Quer ficar com a orquídea?
- Não, não tenho jeito pra essas coisas. Mas quero uma coisa tua.
- Pede.
- A sua escova de dente. Deixe ela onde ela está, por favor.

Passando a mãe pela orelha de Ângelo, ela encostou a testa dela na dele.

- E quando voltarmos a conversar - Em tom de pedido pueril, continuou - tente parecer menos maravilhosa, menos bonita do que hoje.
- Até lá, - Sorrindo docemente - até lá você já estará olhando com olhos diferentes, e não parecerei mais tão bonita assim pra você.
- Amém. Amém.

Um beijo rápido, como se fecha uma carta testamento.
Ela levanta, pega a bolsa, o casaco e espera pelo abraço. Ele tem medo de encostar o corpo, como se fosse a mulher de um chefe seu em seus braços.

Aquela com quem passou os últimos cinco anos atravessa a porta, navegando agora entre outros mares, procurando outros portos.
E com o copo na mão, entortando-o para que pudesse ver o fundo, com o olhar fixo de quem perdeu o que se tem por dentro, que o lado direito dele, o lado mais duro, mais sério, chorou.

A decisão foi tomada junto do último gole de Malte;
Jamais se entregaria nas mãos de uma mulher novamente. Daqui pra frente, será sempre dono de seu leme.

sábado, 26 de janeiro de 2008

De voltar, em voltas.

De volta das américas para dentro do sonho que é um pouco mais real. Tenho imagens, personagens, paixões e algumas idéias. Falta-me humanidade para juntar tudo isso em máquina que saiba voar.

Saudade de samba, de churrasco, de cerveja gelada.
Saudade de poesia de cotidiano.

Agora sim, que venha outro ano!
E que com ele meus textos, minhas expressões e impressões.

Ah, é tanta saudade que a idade não aguenta, e me quedo criança, chorando.