terça-feira, 30 de outubro de 2007

Visa

Maria esperava o verde para atravessar. Esperava também a segunda para parar de fumar, o reveillon para começar o regime e uma deixa para largar o emprego. Um ônibus, desgovernado como Maria, entrou na calçada, matando-a e a todos que ali esperavam a hora de continuar. Das ferragens, só sobrara um provável slogan de propaganda:

– Porque a vida é agora.

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Ajudado por Matheus
http://mendigando.blogspot.com

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Aparências

Vestiu-se, beijou as filhas, e foi-se.
Tomou cuidado ao fechar a porta,
Um conhaque, fôlego e seu caminho.

Cansada, não do marido, nem da família;
Da vida que levava. De novo, só o estofado
Comprado em três vezes nas casas Bahia.

Um homem que não conhecia,
Ruas que nunca ia,
Mentiras que não fazia.

Maria nunca quis ser Maria,
Hoje era de volta aquela menina
Que queria experimentar nicotina.

A desgraça são as roupas atrevidas
Maria foi morta pelos tiras
Confundida com mulher da vida.

Os policias se desculparam
- Defensores da moral e eucaristia -
Quando deu na notícia:

Maria era mãe de família.

domingo, 21 de outubro de 2007

Analogia de dois dias.

Noite

Com as mãos, fiz um mundo. Criei, fazendo-o emergir de um oceano que havia dentro de mim. Modelei paisagens inspirado em sentimentos que me fizera sentir, criei cores apenas deixando a imaginação livre, percorrendo memórias de quando esteve por aqui.

Madrugada

Tentei por tudo invadir minha criação. Andei em volta dos portões, malditos portões, que não lembrava de ter criado junto ao mundo que fiz com as mãos. Sentia o frio encapando-me, o vento da madrugada usufruindo de meu sangue quente para se movimentar, e procurava algum lugar para me esconder dos sonhos que corriam atrás de mim. O mundo era lindo, mas impenetrável, o mundo era o que existe de mais profundo dentro de mim.

Manhã

A luz que atravessava o cosmo, ultrapassava a janela, as cortinas e agrediam minhas pálpebras me lembraram à dor que é nascer. Enraiveci, fiquei louco, e com as mãos, taquei o mundo inteiro no chão.

Fim de tarde

Arrependimento brotava-me pelo olho esquerdo, chacoalhando este mesmo lado de meu rosto. Eu precisava deste mundo, ele era parte do que sou, e a principal parte. Construirei outro, agora, sem portões, sem barreiras, um mundo fácil de se entrar.

Noite

Hábeis mãos, que não erram duas vezes, meu mundo está pronto, mais belo, perfeito, e sem barreiras. Não saberia existir sem ele, e mal sei como pude existir até então. Sua forma é minha alma, sua textura meus sonhos de pequeno, seu futuro, meu anseio. Confundo-me toda hora com ele, ouvindo os sons que ele poderia ouvir, sentindo o que apenas ele poderia sentir. É exatamente o que precisava para poder bem dormir.

Madrugada

Quando quis, pude entrar, e fui feliz. Que bom ter onde esconder-me, onde não ser achado por aquelas alucinações noturnas! Aqui há de se ficar bem, aqui há de ser meu éden. Adormeço em pedras aveludadas que ainda lembro-me de ter criado. Durante o sono, sou acordado por movimentos, o que me preocupa; Nada do que havia criado era para ter movimentos próprios, meus sentimentos eram todos sésseis!

Manhã

A luz mostra-me, quando acordo, a horrível cena; Sem barreiras para proteger meu mundo, sem obstáculos, o mundo dos outros me foi invadindo. O lugar que era para ser um lugar seguro tornou-se um lugar comum; não se podia mais sentir-se seguro neste maldito mundo de mentira. Com a palma da mão fechada, acabo com ele, sentindo apenas alguns caco entrarem-me pela pele, fazendo sangrar.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Doce

Já toco sua pele, pele de mulher bonita, de mulher de nuvens. Já vivo em seu corpo, percorro sua barriga, aninho-me nos seus seios, adormeço entre seus cabelos. Já sinto o cheiro suave de seu corpo quando desperta, sinto a cama vibrar ao mesmo tom de sua voz.

Brinco de percorrer seus sonhos, de participar de seus olhos, de investir contra o vento para ver-lhe feliz, satisfeita, inteira. Já sinto o gosto do cotidiano renovado pelas mudanças de humor, refrescados pela presença contínua do sentimento de não se estar só, confirmado pelas noites de domingo, em que se morre devagarzinho, quando se olham e percebem-se cúmplices no pecado consumado em dia santo.

Já vejo seus sinais, saboreio com todos os meus poros a sua estranha presença, fantasio futuros que não existirão, mas fazem-me bem apenas de se imaginar. Trago pela mangueira do narguilé seu passado, tomo em copos de vinho seus erros, brindo a hostilidade do mundo lá fora. Agora tenho cá meu lugar seguro.

Seu cheiro nos lençóis, nas toalhas de banho, sua imagem montada em desejos noturnos, sua presença um fato lastimavelmente mentiroso.

Meme

Disseram-me que é sagrado, e minha vida tem sido tão assim sem ofender nada que seja sagrado, imagine se ofendesse...

Começara no blog "Canto da Boca", chama-se "Meme", e é assim;

1ª) Pegar um livro próximo (PRÓXIMO, não procure);
2ª) Abra-o na página 161;
3ª) Procurar a 5ª frase completa;
4ª) Postar essa frase em seu blog;
5ª) Não escolher a melhor frase nem o melhor livro;
6ª) Repassar para outros 5 blogs.

Próximo aqui, tinha Flores do Mal, Baudelaire;

"Beijamos a sonsa matéria
Com a mais tensa devoção
E depois, da putrefação
Abençoamos a luz cinérea."

Eu gosto da acidez do Baudelaire, as vezes sinto a vida justamente como sinto os seus versos...

Enfim, num tenho muito mais pra quem repassar essa brincadeira, acho que não sou muito sociável.

Fica por aqui, assim, minha singela participação.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Entre a alegria e a tristeza, apenas um cigarro, e seus cinco minutos.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Desperdício;

Tic, Tac;
Quem
Foi
Que
Deixou
Torneira
Da vida
Aberta?

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Modernidade

Moderno
Que sou
Queria
Um mouse;

Arrastar
Tuas vidas
Teus ícones.

Queria
Abrir-te,
Apenas
Dois toques.

Talvez
Encerrar-me,
Desligar-me.

Tentaria
Recortar,
Os sonhos
Criados

Move-los
Para a pasta
Da realidade

Usando
Botão
Direito do
Mouse

Mas a seta
Viciada
Não passa
Da tela
Ligada

Tecnologia
Maldita
Limitada
Que não alcança
Vida
Modernizada

(Dedicado, como lembrança, a um amigo.)

domingo, 7 de outubro de 2007

Ponto

Sou pouco na vida, sou riscos;
Limito-me a preservar minhas fronteiras
E cansa-me ser tanto assim, vida inteira
Cansa-me o pouco da vida que sou

Sem sonhos, sem flores ou jardineira
Levo pouco; o corpo, a tinta, a vida
Basta-me a ponta para fatigar-me o caminho
Sei dos destinos todas as linhas.

Sou pouco na vida, insisto
Mas o pouco retilíneo me exausta
Na clausura dessas retas matemáticas
Que não se tocam, apenas arrastam.

Não gosto de muito, gosto do ponto;
Um píxel redondo, poderoso e soberano.
Um ponto daqueles que acabam com o conto
Ser risco me cansa, quero ponto, e não encontro.