sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Caminho

É um caminho, desses que vão se entortando. De terra vermelha-pôr-do-sol batida, demarcando onde é que termina o lado de lá para começar o lado de cá.

É do tipo de caminho que nossos olhos percorrem antes de nossos passos. É do tipo de caminho que a eternidade vai engolindo, que o horizonte vai desfragmentando, tão devagar que se tem a sensação que o tempo ali no final não passa como passa aqui.

É um caminho, de tantos caminhantes que mal posso imaginar. Muitos deles mortos, suas lembranças mortas, seus sonhos mortos. É, assim, um caminho de mortos? Não, antes e muito mais que isso, é um caminho.

Poetas, homens de negócio, engenheiros, escultores e apaixonados. Papas, presidentes, representantes de entidades humanísticas, comunistas e amantes. É desses caminhos que apenas a vontade basta.

Sem nenhuma paisagem, para que possa você mesmo desenhar a sua natureza, ao seu gosto. Sem ninguém, para que possa você mesmo construir suas companhias, ou se quiser, ser sua própria companhia. Sem nenhum som, para que a música de seu corpo vaze, permeando o ambiente, fazendo dançar o vento, que também não há.

É simples, é bonito, é quase comum. Mas enquanto continuar a colocar um pé a frente do outro, enquanto decidir não parar, haja o que houver, se decidir que quer chegar, mesmo sem saber para onde este tão vespertino caminho caminha, saiba que este caminho é só seu, inteiro. É rei, é príncipe e é escravo, é pai, é filho é sonho e realidade. Este é o seu caminho.

Dizem que ninguém chegou ao fim, dizem que é feito de papoulas, dizem que não é natural. Os de coração amargo exasperam que é sonho, fantasia. Os desacreditados se perguntam, e os quase mortos se contorcem. Eu não penso, não busco filosofia no caminho, apenas o atravesso, como a vida me atravessa, e sei, que assim como sinto a vida, o caminho me sente.

Agora, na parte em que estou de meu caminho, estou vendo cinco pássaros rasgarem a frieza do céu anônimo, vejo flores de lótus de um azul-oceânico, que vão florescendo a cada passo meu. Fitas amarelas, vermelhas, azuis, rosas, verdes e lilases chovem do céu, mas antes de tocarem o chão, explodem, transformando-se em minhas lembranças; O riso de minha mãe, a seriedade de meu pai ao trabalho, a sensibilidade de minha irmã, as tantas cenas com meus amigos de tanto tempo, meus sonhos antigos, as paredes de meu quarto, os lugares em que estive, ou que tenho a impressão de conhecer. O sol se mantém bem ao final do que meus olhos sentem, de forma que não posso olhar muito para frente, conservando os olhares para as redondezas, para o que acontece agora mesmo. Do céu, com uma beleza enteógena, uma música toma como compasso os meus passos, cabendo a mim aumentar ou diminuir o andamento, o que faço conforme meu estado de ânimo...

Este tem sido o meu caminho, assim tem sido a minha vida.

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