quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Chuva

Foi só chover. Foi só toda essa porra de água cair lá fora para tudo voltar como era; todo esse fracasso condensado, todas essas mémorias rasgadas em fotos mal-tiradas, toda essa fraqueza de um corno qualquer.
Eu quis me fazer de forte, quis mostrar-me um adulto, gente crescida e nem se quer chorei. Tentava lembrar as tantas coisas boas que viriam com essa separação; A gorda da minha sogra que eu nunca mais veria, aquele cachorro fedido, a viagem que era toda vez que tinha que ir para casa dela, lá na putaqueopariu, o fim dos pitis nojentos que me tiravam do sério.
É claro que eu sentiria saudades; Saudade do sexo, principalmente. Mas isso seria fácil de resolver, apenas uma questão de procurar as esquinas certas.
Eu conseguia deixar esses pensamentos sempre bem próximos, ao alcance da mão, para quando essa babaquice de solidão (ou insanidade) me batesse, eu tivesse as minhas armas para revidar, mas essa merda de chuva, porra, essa merda de chuva não poderia ter vindo em pior hora.
Agora que eu to de saco cheio desse emprego de merda que tenho, o mesmo emprego que ela havia me dito para não aceitar, agora que não tem um pão nessa casa, pois era sempre ela quem me ajudava nas compras, agora que chove fino, tipo de tempo que literalmente melhor gozavamos, agora que estou que nem cachorro vadio, fazendo da minha sala uma avenida de duas mãos em que só eu passo enquanto todos esses pensamentos infelizes me seguem...
Porra, não era isso que eu queria? O fim daquele relacionamento que me consumia as forças, que me fazia mal, que me botava puto? Era! Pois então, aí está! Posso tomar meu wisky quando quero, posso por as minhas músicas no carro, agora eu posso! Mas essa chuva...
Essa chuva me faz sentir de volta aquela criança, que esperava toda quarta-feria a hora do bolo que mamãe fazia, que brincava de dar nomes às arvores, que queria ser astronauta. Essa chuva me faz lembrar do dia que meu pai se foi, do dia que me descobri sozinho, me faz lembrar a morte.
É como se eu me tornasse uma flanela velha, embebida na chuva, misturada com essa lágrimas presas, com esses gozos forçados, artificiais mas quase bom, para essa alma quieta.
Eu sei que não é bem a falta dela que me escorrega o coração, mas é que nada tenho, e das coisas que tive, apenas ela ainda existe. Até os sonhos de outrora já dei um jeito de matar. Acho que não sei lidar com erros vivos...
Não devo pensar nisso, não posso pensar nisso. Acaso enlouqueço novamente? Será que esse tipo de coisa ainda passa pela minha cabeça? Será que ainda sou capaz?
Essa chuva... Esse sangue, maldito sangue que escorre, maldito que será a me delatar, esse sangue que escorre de todo sonho que jaz morto, que faz sobrar só o corpo em minhas mãos, corpo vazio, sem memória, sem desejo, sem olhos...
Ja nem sei o que é real e o que deveria ser, sento na avenida que dá de frente pra casa dela, imaginando que ali é a minha sala, e que ali só eu e meus pensamentos infelizes a zanzar, a dobrar o silêncio fazendo como que origami, como que oragami, como uma porra de origami...
Que de mim, quando a chuva acaba! Que de mim! Com o cabelo ainda molhando, pingando a sangue e chuva amanhecida, com a cara beijando a calçada com cheiro de bosta de cachorro, com uma merda de trinta e oito na mão. Que de mim, caçando os erros a bala, só pra tentar dormir bem nessas noites de chuva...

4 comentários:

Anônimo disse...

Apesar de não serem todos estes os meus pensamentos, eu senti a alfinetada...

beijos!

lucas lyra disse...

espero que a chuva não caia de novo.

A. G. disse...

É como me senti uma vez. Dói. Mas é belo.

Anônimo disse...

Acho que também não sei lidar com erros vivos...

bjos!