sexta-feira, 17 de agosto de 2007

"Obrigado..."

A meia-escuridão e a música
Tocam sinos, promovem a lembrança
Faz-se um ser-estar meio que inteiro
Ouve-se qualquer criança no mundo inteiro.

Sente que ser vivo pouco requer
Sente que ser pouco qualquer porco
E se vá. Ondas, que se vão, nenhuma é em vão
São sempre testes de uma onda maior pra vir.

Sente que não há um cais de verdade
Nenhuma chegada chega sem partida
E se é no vai e vem que assim caracteriza
Não há para que ter um ponto de olhos marejados.

Caminhos que o mundo nunca abriu
E abrirá, assim como Moisés
Que foi, e então o mar se abriu
Nenhuma estrada é boba
A se abrir se ninguém quer passar
Queira, vá, que abriram-se e passarás

Sente que essa meia escuridão faz-nos viajar
Não é preciso dinheiro, nem carro, planos não são precisos
A mastigável mistura de luz faz sua parte em nos guiar
E guia, essa parte é sempre a melhor da vida
Ser pequeno e só, ser inteiro, ser filho e ter amor
Nunca se achará nenhum jardim, de Deus, dos homens ou das flores
Melhor do que ter a tardezinha sempre, sempre, só para você.

- Tome o café menino, tome que já esfria.

Tomo sim. Sinto o gosto de ser assim.
Obrigado a minha mãe, aos que antes dela vieram, e aos que foram construíndo tudo isso.
Obrigado por ter tido a pequena chance de ser um pequeno elemento nesse circo sentimental.
Onde palhaços adestram o amor, onde elefantes guiam os mágico, e onde há sempre um velho simpático
Quase sempre sozinho a assistir esse gostoso espetáculo
Que ele mesmo, por autonomia, decidiu chamar vida.

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"Uma semente engravida a tarde.
Era o dia nascendo, em vez da noite.
Perdia o amor, seu hálito covarde,
e a vida, corcel rubro, dava coice,

mas tão delicioso, que a ferida
no peito trantornado, aceso em festa,
acordava, gravura enlouquecida,
sobre o tempo sem caule, uma promessa.

A manhã sempre-sempre, e o dociastuto
eus caçadores a correr, e as presas
num feliz entregar-se, entre soluços.

E que mais, vida eterna, me planejas?
O que se desatou num só momento
não cabe no infinito, e é a fuga do vento"

Instante - Carlos Drummond de Andrade

Obrigado, Drummond, por ter sido gauche na vida.
Obrigado, anjo torto.

2 comentários:

Lucas Lyra disse...

férias sim, querido! sério mesmo.
;)

Anônimo disse...

palmas a Drummond!

"Eis se delineia
espantosa batalha
entre o ser inventado
e o mundo inventor."